Eu posso até estar errado fazendo do título uma afirmação, mas o que dizer de um mangá tão bem desenhado, que se pode observar os mínimos detalhes de uma cena (com exceção dos órgãos sexuais masculinos), que conseguiu conquistar alguém que não dava a mínima para mangás, graças ao seu enredo completamente artístico, equiparável às maiores obras de arte da literatura fantástica? Foi isso que aconteceu comigo.
Um belo dia, no trabalho, um colega meu (valeu, Crocha!) foi contando a história de Berserk, destacando o fato de os roteiristas não se preocuparem nem um pouco em apresentar cenas explícitas de violência, pornografia e satanismo. Claro que não trata-se de uma obra de viés satânico, como certamente dirão aqueles mais fanáticos, religiosamente falando. O mangá gira em torno de Gatts, sobrevivente de uma guerra da época da Inglaterra medieval, que é resgatado ainda bebê por Shizu, quando ela o encontra à beira da morte e o adota como filho. Quando Gatts completa três anos, Shizu morre, para desespero de seu marido e padrasto do garoto, Gambino. Gambino acha que o garoto fora o responsável pelas desgraças que ocorreram com Shizu e com ele próprio, anos mais tarde. Gatts então foge e conhece o Bando do Falcão, grupo de mercenários que o acolhe. Griffith, o líder do bando, cria uma amizade muito profunda com Gatts. Ou pelo menos Gatts assim achava. Uma série de reviravoltas dignas de produções hollywoodianas mostram a face maquiavélica de Griffith, disposto a trair e a sacrificar Gatts em sua incessante busca por poder.
Isso pode parecer um spoiler, mas, acredite, é só o começo dessa saga medieval. Berserk faz parte daquele conjunto de obras culturais que te deixam com um vazio, parecendo que está te faltando alguma coisa, quando termina de ler algum volume do mangá. E se você não curte esse negócio de mangá e de cultura pop japonesa, não se engane: Berserk foge bastante aos padrões nipônicos de ninjas com shurikens e jutsus, assemelhando-se mais a Tolkien ou Paolini, porém muito mais repleto de cenas chocantes e que, de certa forma, se aproximam da realidade. Obras de fantasia contemporânea, por exemplo, não mostram aspectos grotescos da era medieval, como a prática da pedofilia. Berserk explicita, mesmo que brevemente, cenas desse tipo, o que traz o enredo para mais próximo da realidade (à medida do possível, claro, já que se trata do gênero fantasia e monstros e demônios são personagens recorrentes).
O fato é que muitos dos fanáticos por mangás consideram esse como um dos melhores da atualidade, se não o melhor. Numa época em que estão em alta adaptações para o cinema de livros consagrados de fantasia, como Senhor dos Anéis, Harry Potter, Crônicas de Nárnia e o mais recente Percy Jackson e os Olimpianos (não colocarei no meio da lista a saga Crepúsculo, que na minha opinião se enquadra mais no gênero comédia devido às atrozes distorções com as quais são subjugados os leitores mais sérios por Stephenie Meyer), é de se estranhar que Berserk seja tão pouco conhecido desse público. Até porque o nível de complexidade, criatividade e narrativa superam essas obras consagradas em muitos aspectos. É uma pena que o alto grau de tradicionalismo de alguns leitores mais ortodoxos os impeça de descobrir as maravilhas que se escondem por detrás de alguns meios de comunicação para os quais os mais cultos torcem o nariz, pelo simples fato de não se tratar dos milenares livros de uma biblioteca.