terça-feira, 23 de novembro de 2010

Os materiais obscuros de Deus

Quem entra em fóruns de livros de fantasia internacionais se surpreende quando descobre que a trilogia His Dark Materials, do inglês Philip Pullman, foi batizada no Brasil como Fronteiras do Universo. Uma tradução bastante desinteressante, que tem mais potencial para atrair os nerds da Física do que fãs do gênero.

Quem botar as mãos - e também os olhos, de preferência - em Fronteiras do Universo irá perceber que não se trata de teoria das cordas ou viagens no tempo, mas de uma ótima obra fantástica criada por um autor da mesma época de Tolkien. Por esse motivo, a partir daqui não me referirei ao livro como Fronteiras do Universo, tratando-o por seu nome original. Basta ler os primeiro capítulo da saga para perceber que o "his" de His Dark Materials refere-se a Deus. E é também por isso que, na minha opinião, deveria ser mais popular (a obra é bombada apenas no Reino Unido), mas mais à frente digo por quê.

His Dark Materials é uma trilogia composta por vários mundos alternativos. Em A Bússola de Ouro, primeiro livro da série, Lyra Belacqua é criada por catedráticos numa cidade universitária de Oxford, onde crianças começam a desaparecer misteriosamente, sequestradas por pessoas a quem os habitantes dão o nome de goblers. Após conhecer a Sra. Coulter, uma importante e influente mulher da alta sociedade, a garota é adotada e deixa a universidade para aprender com ela, levando um objeto que lhe é entregue às pressas: o aletiômetro, a bússola de ouro, capaz de mostrar a verdade. Com auxílio desse instrumento, ela descobre mais sobre a Sra. Coulter, que tem muitos segredos a serem revelados e se mostra completamente diferente daquilo que aparentava ser.

Nas continuações, ocorre muita traição e mistérios, aos poucos revelados. Todas as teorias que você fica mirabolando durante a leitura e que parecem fatos irreversíveis podem se desmoronar e você se decepcionar com aquele personagem bom e fofinho, ou mesmo vir a admirar aquele a quem creditava o papel de bandido. A mensagem que Pullman quer passar? Que não há dualidades - bem versus mal - mas que todos têm seu caráter alterado conforme pede a situação. A essa teoria do autor, adiciona-se apenas uma exceção: a Igreja. Para ele, esta é sempre a vilã.

No mundo de His Dark Materials, Pullman utiliza a retórica para dar a entender que a Igreja (no livro, chamada de Magisterium) controla todo o mundo ocidental, e provavelmente o oriente também, através de muita manipulação e conspirações pela supremacia.

Não é à toa que a saga causou uma grande polêmica na época que foi lançada. Em extrema contraposição com C.S. Lewis, que publicava As Crônicas de Nárnia, que muitos dizem ser uma "bíblia para crianças", Pullman se indignava com a política das igrejas de sua época, criticando-as e chamando a todas, sem exceção, de manipuladoras.

É em decorrência dessa crítica, muito apropriada para o tempo em que o autor viveu, que a obra deveria ser mais conhecida. Quer dizer, além de conter uma história envolvente, faz uma crítica que, para seu tempo, foi ousadíssima! Infelizmente Hollywood não fez bem seu papel de disseminar a estória. A adaptação para os cinemas de A Bússola de Ouro foi um fracasso, o filme foi encerrado numa parte muito nada a ver, e a atuação de Nicole Kidman foi um desastre. Se colocássemos uma boneca de plástico em seu lugar, mal notaríamos a diferença, já que as expressões no decorrer do trama permaneceriam as mesmas.

Se você assistiu o filme e detestou, não se assuste. O livro, como ocorre com todas as obras literárias que viraram filmes (com raras exceções, como Senhor dos Anéis), é muito melhor. Se você ainda não leu His Dark Materials, não sabe o que está perdendo.

2 comentários:

Ro disse...

Curti esse review, até me deu vontade de ler mesmo!

Felipao disse...

Já li essa trilogia e concordo com você. Lembro-me que quando falei da história para uma mulher, ela olhou feio para mim e disse que isso estraga o cérebro.